Mãos que curam.

A abordagem na pratica de Ashtanga yoga dada por S.K. Pattabhi Jois é bem peculiar comparado a outras modalidades de yoga. Como sempre, eu venho tentado fazer essa ponte entre  filosofia e pratica, uma vez que utilizamos do conhecimento dos textos para realizações pessoais, pois isso é o alicerce do yoga!

O entendimento (textos) junto com a vivência diária (esticar o tapete)  se resulta na transformação do individuo e principalmente na mudança de olhar para o que está ao seu redor.

Patanjali expressa claramente que um bom asana reside no equilíbrio entre firmeza e conforto, assim o Yogi procura achar o equilíbrio nos diferentes aspectos da pratica e principalmente na vida…

Na abordagem em sala de aula, seguimos o mesmo caminho! O professor procura mostrar para o aluno que a perfeição não está necessariamente na estética da postura, uma vez que cada corpo possui sua estrutura, mas principalmente na qualidade da respiração, pois é ali que reside o fator terapêutico principal. Porém, o que acontece é que quase sempre os bloqueios e tensões no corpo do aluno gera limitações na respiração durante a execução da postura, por isso o ajuste vindo do professor é algo essencial nesse processo.

Dessa forma, chegamos no ponto central desse texto, a relação aluno/professor. Assim como sthira (firmeza)/Sukha (conforto). A relação intimidade/confiança é algo q se desenvolve naturalmente, uma vez que exista dedicação e sinceridade de ambos, do professor e do aprendiz….

Essa relação de confiança  e intimidade acontece de maneira muito orgânica, com o passar do tempo o professor conhece mais o corpo do aluno, e o aluno confia mais no professor, se permitindo para o ajuste, para o toque, para a interação entre ambos, como se as mãos do professor não só revelasse a técnica, mas principalmente o acolhimento e sentimento. Isso abre e cura o aluno, gera espaço e cria alicerce, e nesse ponto também reside o yoga. Como resultado, aflora uma relação de amor e admiração. Isso se chama Parampara, pois sucessão implica em transmitir experiência. E o próprio Patanjali afirma no primeiro capitulo do Yoga Sutra que conhecimento realizado através da experiência é o mais profundo!

Pratyakshanumanagamah pramanani

Discernimento (obtenção de conhecimento): a percepção direta, a logica e a autoridade no assunto. Y.S. 1.7

Me lembro de uma experiência alguns anos atrás com meu professor Matthew Vollmer:

“Kapotasana é uma postura da série intermediária geralmente muito forte, ainda mais para mim por ter as costas mais rígidas, sendo assim durante um ajuste, minha mente gritava e toda minha atenção estava na dor, a tensão e desespero tomava conta do meu ser… Perdi a respiração de controle e logo  iniciou os baixos gemidos. Com um sorriso estampado é uma voz baixa e acalentadora, ele disse: Junior, apenas ouça e respire… E assim ele colocou (com amor) uma pitada ainda mais intensa nas mãos, de maneira lenta e precisa, rs… Nesse momento, toda minha admiração e confiança em meu professor foram retomadas, e pude perceber que a respiração aliviava toda a agonia, minha mente se voltava ao momento presente e eu percebia claramente a sensação de espaço nas costas, e o peito se abrindo para o mundo de uma forma jamais sentida antes.”

Existe algo óbvio!

Bons professores são bons praticantes.

E bons alunos, são praticantes obedientes!

Não no sentido de aceitar cegamente o professor, mas obedientes na atitude de confiar no mestre, uma vez que o próprio vive o ensinamento da tradição. Aceitar quando ele diz que seu corpo ainda não está pronto, que você precisa parar ali! De aceitar que sua dose hoje é essa!

E também ao contrário!  Quando ele te convida para novas experiências através de novos asanas, que ele mesmo passou anos trilhando aquele caminho. Garimpando sensações de medo e alegria, dores e raiva, sorrisos e aberturas, se abrindo para o desconhecido.

É muito normal ver praticantes saciados cada vez mais por posturas e avanço na série, se privando da principal efeito transformador dessa pratica! O auto conhecimento, a experiência de aceitar o hoje e se contentar com o presente, de construir tijolo por tijolo, de colocar telha por telha, sem pressa, com apenas paciência e amor.

Muito obrigado ao legado de mestres e professores que vem bondosamente contribuindo para a vida de tantas pessoas.

Junior (Jay Gauranga)

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