Diário de quem senta na janela.

Minha jornada no yoga não começou na pratica de ashtanga yoga, pois já era professor de hatha yoga quando conheci o método ensinado por Pattabhi Jois.

Venho realizado a cada ano que passa,  e a cada tapete esticado o quanto essa pratica uma vez que feita de maneira correta conduz o aluno a um alto nível de concentração, introspecção e principalmente mudança de hábitos e padrões comportamentais. Mas o que venho compartilhar nesse texto é um pouco da paisagem que sou presenteado quando sento na janela  do shala a cada sábado durante as aulas guiadas.

É tão claro e visível observar a condição psicológica da turma no início da aula: euforia, falta de atenção, uma respiração forçada e curta, e por aí vai. A mente ainda se adaptando a falta de espaço no corpo e a falta de calor devido o início da classe.

A aula se desenvolve, o calor vai tomando proporção e gradualmente a onda de saltos vão ganhando igualdade. O salto da turma chega a ressoar no coração, é  bonito para os olhos e principalmente inspirador para os espectadores! No auge da série, em Navasana (postura do barco) por exemplo, as pernas tremem em conjunto, o suor se manifesta e os olhares fixos na ponta dos pés dão uma imagem de soldados em treinamento. Sempre tem alguém olhando ao vizinho disfarçadamente comparando se as pernas estão esticadas, rs… Para um expectador iniciante a imagem assusta, mas como sempre reforço para meus alunos.

“Não praticamos ashtanga! Construímos ashtanga”

O conceito de krama (estágios/etapas) implica em aceitar e respeitar o seu corpo aplicando os asanas de acordo com o que lhe cabe hoje. Isso significa construir uma pratica com fundação, com alicerce.

No auge da aula o som da respiração uniforme de 35 alunos respirando de maneira organizada faz com que eu me lembre do som das ondas do mar a noite, quando a escuridão não permite a visão das ondas, mas seus ouvidos desfrutam do som uniforme, longo e afinado do mar.

Sim, não é uma aula fácil, é um momento de dedicação e desconforto, e muito menos de  de sorrisos. Mas sempre os olhos brilham junto aos cabelos molhados.  Observo, em mim e nos alunos, que esses momentos são formas de acessar uma força interior que muitas vezes esta adormecida no amago do nosso ser. Noto que os alunos vão ficando fortes, não apenas fisicamente, mas psicologicamente também; e isso é resultado de duas frentes:

A primeira é a constante situação de desafio proposto pelas limitações do corpo de cada um, pois gerar espaço em regiões tensas, musculaturas comprimidas que muitas vezes são resultados não apenas de toxinas mas principalmente por doenças psicossomáticas, traumas e marcas. É um trabalho de muito esforço e paciência, a longo prazo!

E a segunda é o “Tapah” o calor gerado pela disciplina, vai derretendo as camadas mais grosseiras do praticante permitindo acessar camadas mais sutis, que são imbuídas de força, pois são constituídas de prana, energia e também espiritualidade.

Mas o ponto em questão é!

Quando chegamos juntos, eu com a contagem dos vinyasas (movimento unido com a respiração) e os alunos com seus corpos abertos, quentes e expandidos no final da aula, uma vez feito padmasana (postura do lótus) encostado o queixo no peito com os olhos centrados na ponta do nariz, as cinturas torneadas devido aos Bhandas (fechos musculares). A sala quente cheira suor com o aroma de dedicação, as janelas escorrem  umidade deixando o ambiente ainda mais exótico, e o silencio se torna a maior atração.

Para mim é o momento mais profundo da aula. O silêncio, a respiração calma, fluida e profunda, o olhar atento na ponta do nariz, e o suor não para de escorrer… É tão fácil de perceber  o nível de concentração e equanimidade da mente de todos. O corpo quente e com espaço, a respiração flui de maneira tão profunda, é realmente emocionante. As costelas se expandem e se contraem devido a respiração profunda unida com os bandhas. Com todo respeito a todos os outros praticantes de yoga, mas um “ashtangui” nesse momento de sua pratica pessoal sabe qual é essa sensação… nesse momento os bhandas acontece de maneira acessível e o ambiente externo parece não existir… Esta ali, apenas você e o som, sentindo o corpo se expandir e contrair levemente… Presente, focado e aberto a questões e percepções além do que podemos tocar, apenas sentindo a si mesmo.

Om swasthi praja bhyah…

Bom shavasana a todos…

Junior (jay Gauranga)