Eu aluno, eu professor.

Existe algumas peculiaridades na pratica de ashtanga yoga na qual sempre exploro nos textos, e uma delas que venho colocar aqui é o relacionamento amoroso entre professor e aluno. Sim, amoroso no sentido mais sublime da palavra, no sentido de confiança e respeito.

Na pratica tradicional de ashtanga yoga existe um conceito chamado Krama (estágios) que o professor precisa ter a sensibilidade de perceber dose de asanas que o aluno precisa tomar diariamente, e consequentemente o aluno precisa confiar e percorrer esse caminho muitas vezes escuro e desconfortavel. O método é como um antibiótico! É preciso ter a dose certa e disciplina para que o efeito terapêutico acesse a transformação física e emocional adequada.

No início, ambos são desconhecidos: o corpo do aluno e o “feeling” do professor, e assim com paciência, sensibilidade e dedicação de ambas as partes a intimidade vai dando oportunidade para que o professor identifique o corpo do aluno e proponha o trabalho a ser percorrido, e de maneira reciproca o aluno mergulhe em novos asanas para se descobrir. Por fim, os ajustes se manifestam com respeito e confiança. As mãos do professor dão direcionamento para o corpo, e se o aluno acalma e respira, o corpo se molda de maneira que as toxinas (emocionais e físicas) possam ser induzidas de dentro pra fora. Eu como professor algumas vezes, se existe confiança e entrega do aluno, sinto que minhas mãos estão moldando um vazo de barro fresco e molhado para uma nova forma. E também, eu como aluno, quando confio no meu professor, sinto ele me levar a lugares em que meu corpo dizia que era inalcançado e escuro. Lugares limitados pelo medo e tensão, pelo ego, por me fazer acreditar que eu não podia, que eu era incapaz.

O método tradicional é igual sempre, mesmos asanas e series, mas a energia da sala e do professor tem identidade própria, é ai que mora a beleza de tudo isso, cada professor tem um toque, um olhar, uma proposta e até mesmo uma intenção. Alguns com uma abordagem mais espiritual do método, outros com um olhar mais clinico. Mas todos unidos pelo mesmo sentimento; devoção a uma pratica que vem mudando vidas a cada suor derramado no tapete. Anos se passam, e a vela se mantem acesa ao lado do quadro do mestre.

Amo essa pratica, amo todos meus alunos, e agradeço a cada mantra pela oportunidade da vida me trazer bons professores que me dão referência de dedicação e humildade. Sou eternamente grato pela oportunidade de ensinar esse método, e ainda mais grato por saber que sempre serei um aluno…

Junior (Jay Gauranga)

Mãos que curam.

A abordagem na pratica de Ashtanga yoga dada por S.K. Pattabhi Jois é bem peculiar comparado a outras modalidades de yoga. Como sempre, eu venho tentado fazer essa ponte entre  filosofia e pratica, uma vez que utilizamos do conhecimento dos textos para realizações pessoais, pois isso é o alicerce do yoga!

O entendimento (textos) junto com a vivência diária (esticar o tapete)  se resulta na transformação do individuo e principalmente na mudança de olhar para o que está ao seu redor.

Patanjali expressa claramente que um bom asana reside no equilíbrio entre firmeza e conforto, assim o Yogi procura achar o equilíbrio nos diferentes aspectos da pratica e principalmente na vida…

Na abordagem em sala de aula, seguimos o mesmo caminho! O professor procura mostrar para o aluno que a perfeição não está necessariamente na estética da postura, uma vez que cada corpo possui sua estrutura, mas principalmente na qualidade da respiração, pois é ali que reside o fator terapêutico principal. Porém, o que acontece é que quase sempre os bloqueios e tensões no corpo do aluno gera limitações na respiração durante a execução da postura, por isso o ajuste vindo do professor é algo essencial nesse processo.

Dessa forma, chegamos no ponto central desse texto, a relação aluno/professor. Assim como sthira (firmeza)/Sukha (conforto). A relação intimidade/confiança é algo q se desenvolve naturalmente, uma vez que exista dedicação e sinceridade de ambos, do professor e do aprendiz….

Essa relação de confiança  e intimidade acontece de maneira muito orgânica, com o passar do tempo o professor conhece mais o corpo do aluno, e o aluno confia mais no professor, se permitindo para o ajuste, para o toque, para a interação entre ambos, como se as mãos do professor não só revelasse a técnica, mas principalmente o acolhimento e sentimento. Isso abre e cura o aluno, gera espaço e cria alicerce, e nesse ponto também reside o yoga. Como resultado, aflora uma relação de amor e admiração. Isso se chama Parampara, pois sucessão implica em transmitir experiência. E o próprio Patanjali afirma no primeiro capitulo do Yoga Sutra que conhecimento realizado através da experiência é o mais profundo!

Pratyakshanumanagamah pramanani

Discernimento (obtenção de conhecimento): a percepção direta, a logica e a autoridade no assunto. Y.S. 1.7

Me lembro de uma experiência alguns anos atrás com meu professor Matthew Vollmer:

“Kapotasana é uma postura da série intermediária geralmente muito forte, ainda mais para mim por ter as costas mais rígidas, sendo assim durante um ajuste, minha mente gritava e toda minha atenção estava na dor, a tensão e desespero tomava conta do meu ser… Perdi a respiração de controle e logo  iniciou os baixos gemidos. Com um sorriso estampado é uma voz baixa e acalentadora, ele disse: Junior, apenas ouça e respire… E assim ele colocou (com amor) uma pitada ainda mais intensa nas mãos, de maneira lenta e precisa, rs… Nesse momento, toda minha admiração e confiança em meu professor foram retomadas, e pude perceber que a respiração aliviava toda a agonia, minha mente se voltava ao momento presente e eu percebia claramente a sensação de espaço nas costas, e o peito se abrindo para o mundo de uma forma jamais sentida antes.”

Existe algo óbvio!

Bons professores são bons praticantes.

E bons alunos, são praticantes obedientes!

Não no sentido de aceitar cegamente o professor, mas obedientes na atitude de confiar no mestre, uma vez que o próprio vive o ensinamento da tradição. Aceitar quando ele diz que seu corpo ainda não está pronto, que você precisa parar ali! De aceitar que sua dose hoje é essa!

E também ao contrário!  Quando ele te convida para novas experiências através de novos asanas, que ele mesmo passou anos trilhando aquele caminho. Garimpando sensações de medo e alegria, dores e raiva, sorrisos e aberturas, se abrindo para o desconhecido.

É muito normal ver praticantes saciados cada vez mais por posturas e avanço na série, se privando da principal efeito transformador dessa pratica! O auto conhecimento, a experiência de aceitar o hoje e se contentar com o presente, de construir tijolo por tijolo, de colocar telha por telha, sem pressa, com apenas paciência e amor.

Muito obrigado ao legado de mestres e professores que vem bondosamente contribuindo para a vida de tantas pessoas.

Junior (Jay Gauranga)